Vivemos numa era em que todos os meses surge um novo shooter multijogador. A maioria repete fórmulas gastas, arriscando pouco e mergulhando num mar de clones que competem pelo mesmo público. Será que Midnight Murder Club, desenvolvido pela Velan Studios, consegue destacar-se da concorrência?
Em vez de mais um battle royale ou mais um hero shooter, o jogo mergulha numa premissa original: e se combinássemos o suspense de Agatha Christie, a tensão tática de Ready or Not e o espírito caótico de uma noite de Cluedo com amigos?
O resultado é um título peculiar e fresco, que mistura mistério, terror e diversão caótica em partidas curtas, mas intensas. A proposta não é perfeita — o jogo tem problemas de repetição, falta de onboarding nas primeiras vezes que jogamos e limitações de conteúdo — mas é inegável que oferece algo novo num género saturado e por um preço muito acessível (10€).
Escuridão, tensão e gargalhadas num ambiente único
Midnight Murder Club coloca-nos na pele de membros de uma sociedade secreta que se reúne na mansão amaldiçoada de Wormwood para participar em jogos mortais. O ambiente é literalmente, o escuro: sem a lanterna ligada, o ecrã fica completamente negro, sem um HUD que nos indique munições ou posição.

Este detalhe cria um equilíbrio interessante: precisamos de ver, mas acender a lanterna denuncia imediatamente a nossa localização aos inimigos. O dilema constante entre avançar às cegas ou arriscar um tiro certeiro no instante em que a luz revela a nossa posição dá ao jogo uma tensão única.
Os cenários, embora não tenham a fidelidade gráfica de produções AAA, são detalhados e construídos de forma intencional. Cada sala da mansão parece ter sido desenhada para criar momentos de surpresa — portas que rangem, corredores estreitos, quartos com pouca cobertura. O trabalho de iluminação é, naturalmente, o grande protagonista visual.
O som, por sua vez, amplifica o ambiente. Em vez de uma banda sonora constante, ouvimos passos ecoantes, rádios antigos a tocar, tiros ao longe ou tábuas a ranger. É um design sonoro que aposta mais no realismo do que na música, e resulta muito bem na criação de suspense.
Um detalhe curioso é o chat de voz integrado, que pode ser alterado com modificadores que distorcem a voz dos jogadores, tornando mais difícil identificar a sua posição apenas pelo áudio. É um pormenor que contribui para o caos e as risadas nas sessões com amigos.
Morte instantânea e improviso
A jogabilidade de Midnight Murder Club gira em torno de partidas rápidas, caóticas e letais. Cada jogador começa com uma pistola, uma faca e uma lanterna. Não há sistemas de progressão ou desbloqueio de armas permanentes: todos têm as mesmas bases, e o que importa é como o usamos o ambiente e os itens que encontrarmos.
Um único disparo ou golpe bem colocado é suficiente para eliminar o adversário. Este detalhe aproxima o jogo de uma espécie de jogo das escondidas mortal, onde cada passo mal calculado pode ser o último. O friendly fire, também conhecido como fogo amigo está sempre ativo, o que aumenta a necessidade de coordenação nas equipas — basta um erro para prejudicar os nossos próprios aliados.

Ao longo do mapa, máquinas espalhadas oferecem itens adicionais: cocktails molotov, armadilhas, distrações sonoras ou visuais, ou até objetos que podem ser lançados para enganar adversários. Existe até a possibilidade de manipular a lanterna — piscando para confundir, apagando-a para se esconder, ou usando-a como isco.
Modos de jogo: variedade dentro de uma mansão
Apesar de existir apenas um mapa — a mansão de Wormwood —, Midnight Murder Club compensa essa limitação com uma boa variedade de modos de jogo, tanto PvP como PvE.
- Deathmatch e Team Deathmatch: os clássicos modos cada um por si e por equipas. Simples, diretos, e com a tensão acrescida da morte instantânea.
- Headhunters (Caça-Cabeças): uma das equipas tem de proteger caveiras em totens espalhados pela mansão, enquanto a outra precisa de as destruir. O conceito é interessante, mas o ritmo acaba por ser lento, com partidas que se arrastam demasiado.
- Thief in the Night (Roubo na Escuridão): equipas competem para recolher tesouros de caixas numeradas e guardá-los em cofres. Cada morte faz o jogador largar os tesouros, criando uma camada de estratégia e risco/recompensa.
- Wildcards: talvez o modo mais imprevisível. Aqui entram em jogo cartas com modificadores aleatórios que podem alterar radicalmente as regras. Alguns exemplos: bloquear o segundo andar, remover portas, aumentar o tamanho das cabeças dos jogadores, proibir armas de fogo ou até fazer com que corpos em chamas iluminem os corredores.
- Graveyard Shift (PvE): jogado a solo ou em dupla, coloca os jogadores contra inimigos controlados pela IA enquanto completam rituais para levantar uma maldição. Cada ritual traz um bónus e uma maldição — por exemplo, transformar a faca numa espada mas reduzir o feixe da lanterna. É um modo interessante, embora acabe por se tornar repetitivo após algumas sessões.
- Além da Meia-Noite (PvE adicional): nove rituais diferentes que vão aumentando em dificuldade. Pode ser jogado sozinho ou em co-op, com objetivos como destruir totens, caçar tesouros ou eliminar alvos. A progressão é divertida mas sofre da mesma limitação: apenas um mapa.
A variedade de modos é um dos pontos fortes do jogo, mas a falta de cenários diferentes faz com que a repetição chegue rápido. A mansão tem charme, mas não consegue sustentar dezenas de horas de jogo sem se tornar previsível.
Melhor jogado na companhia de amigos
É importante sublinhar que Midnight Murder Club foi claramente desenhado para ser jogado em grupo. O jogo até permite convidar até cinco amigos gratuitamente para as sessões privadas, o que é uma excelente jogada.

As partidas públicas são possíveis, mas não têm a mesma energia: parte do charme está em pregar partidas a conhecidos, usar a voz para enganar ou rir de uma eliminação absurda. O fogo amigo e a imprevisibilidade dos modos Wildcards tornam a experiência muito mais divertida entre amigos.
Infelizmente, o jogo peca por não incluir crossplay com outras plataformas. Numa era em que a maioria dos shooters multijogador aposta na ligação entre plataformas, esta limitação pode afastar alguns grupos de jogadores.
Dificuldade e onboarding: uma barreira de entrada alta
Um dos maiores problemas de Midnight Murder Club é a falta de onboarding adequado. O jogo não tem tutoriais robustos, nem um sistema de progressão que vá introduzindo gradualmente os elementos. Fomos atirados diretamente para partidas contra jogadores experientes, e rapidamente percebemos que dominar o ritmo do jogo exige tempo e dedicação.
A curva de aprendizagem é dura. Como um disparo basta para eliminar, a sensação inicial é de sermos constantemente apanhados sem hipótese o que pode levar a que alguns jogadores desistam antes de ser conquistados. Modos de treino ou partidas contra IA mais competentes poderiam suavizar esta barreira e ajudar novos jogadores a integrarem-se.
Além disso, a ausência de progressão visual ou recompensas cosméticas também retira alguma motivação a médio prazo. Num jogo com uma premissa tão excêntrica, seria expectável termos avatares personalizáveis ou acessórios que reforçassem o estilo humorístico e sombrio do clube.

Desempenho e tecnologia
Em termos técnicos, Midnight Murder Club impressiona pela estabilidade. O netcode é sólido: ao longo de várias partidas, não registámos atrasos ou desconexões significativas. O jogo mantém uma taxa de fotogramas estável, tanto em consola como em PC, e a fluidez das sessões é um ponto positivo.
Não sendo visualmente muito apelativo ou detalhado, consegue assegurar uma estabilidade de desempenho, o que nos satisfaz.
Por outro lado, a inteligência artificial dos bots deixa muito a desejar. Quando incluídos em lobbies para preencher equipas, os bots tornam-se um fardo, sem oferecer resistência minimamente convincente.
A nível audiovisual, como já referido, o design sonoro é marcante. A ausência de música constante dá lugar a uma atmosfera mais realista. Mas a repetição de vozes e efeitos em certas situações pode quebrar a imersão — especialmente quando NPCs ou fantasmas repetem linhas vezes sem conta.
Longevidade: potencial vs. repetição
Aqui reside talvez o maior desafio para Midnight Murder Club. O jogo é divertido, mas sofre com uma limitação clara: um único mapa e um conjunto relativamente reduzido de mecânicas. Os modos conseguem mascarar essa repetição durante as primeiras horas, mas a longo prazo a mansão começa a perder novidade.
Para um título com ambições de live service, a longevidade é fundamental. O jogo precisa de atualizações regulares com novos mapas, personagens, eventos e opções de personalização para manter a comunidade ativa. Caso contrário, corre o risco de se tornar mais um “cult hit” que nunca chega a conquistar uma base sólida de jogadores a longo prazo.

Conclusão: caos divertido, mas precisa de crescer
Midnight Murder Club é, sem dúvida, uma lufada de ar fresco no género dos shooters multijogador. A mistura de mistério, escuridão e partidas rápidas cria momentos hilariantes e tensos em igual medida. O foco na jogabilidade social faz dele uma excelente opção para sessões com amigos, e o preço acessível, aliado à possibilidade de convidar outros para jogar gratuitamente, tornam-no ainda mais apelativo.
Contudo, a falta de onboarding, a repetição do mapa e a escassez de conteúdo comprometem o seu futuro. Há aqui todas as condições para se tornar um jogo de culto, mas para ser mais do que isso, precisará de atualizações consistentes e de uma aposta clara em manter os jogadores envolvidos.
Se procurarem uma experiência multijogador diferente, caótica e cheia de gargalhadas, Midnight Murder Club vale a pena. Mas estejam conscientes: sozinho ou em partidas públicas, o charme perde muito da sua força.