Hell is Us é um RPG com muita acção à mistura e que se diferencia da concorrência devido à sua mecânica única: não há mapa ou grandes ajudas para o jogador. Consegue com isso criar algo bastante imersivo e recompensador, mesmo apesar da pouca profundidade no combate.
Hell is Us é uma aposta ousada, que rompe com as normalizações e padrões instaurados em jogos que têm o intuito de dar a mão ao jogador com ajudas em cada passo. Hell is Us diz não a tudo isso e oferece-nos algo diferente e pouco visto nos dias hoje. O jogador é obrigado a estar focado no ambiente que o rodeia, nos diálogos que acontecem, nas pistas mais ou menos claras que são passadas e explorar as localizações que se encontra.
Tudo isto se resume a sermos deixados no mapa, com um objetivo extremamente genérico que pouco ou nada ajuda o jogador a perceber o que tem de fazer e para onde tem de ir. Não existem waypoints ou mapas que nos dizem onde estamos ou onde temos de ir. Existem localizações para explorar, personagens com quem dialogar, pistas para apanhar e intuição para seguir.

De volta para onde nunca se deveria ter saído
Todas as características que referimos previamente aumentam a imersão, porque temos que estar atentos a todas as interações que encontramos. Isso faz com que a narrativa seja um aspecto fulcral do jogo, pois com uma história pouco cativante e concisa, facilmente o interesse do jogador desaparecia.
Antes de começarem a jogar, aconselhamos a lerem a banda desenhada publicada pela Nacon. Nesta banda desenhada ficamos a conhecer que a localidade de Hadea vive uma guerra civil. O personagem Remi, que será o protagonista de Hell is Us, pertence aos Peacekeepers da ON (semelhante aos capacetes azuis das Nações Unidas) e decidiu voltar a entrar em Hadea com o intuito de encontrar a família e obter respostas para as suas questões.

É nesse ponto que o jogo começa, com Remi preso a ser interrogado com um soro da verdade sobre as suas ações em Hadea. E é através desta interação que a nossa história é contada (e jogada).
Hadea é uma região devastada e assolada pela guerra civil, onde vemos e experienciamos as atrocidades e devastação sentidas em cada vila que visitamos. Desde diálogos sofridos e sentidos de alguns personagens, à destruição de paisagens, sem nunca esquecer os corpos “esquecidos” ou enforcados em árvores. Hadea é um sítio onde o horror e sofrimento são constantes no dia a dia, e Hell is Us transmite isso na perfeição ao jogador.
Combate vai beber ao género Soulslike
Com o destino entregue a nós próprios, sem qualquer ajuda ou orientação, começamos a nossa aventura em Hadea. Já referimos o ambiente desolador que presenciamos em cada local, mas ainda não referimos os nossos maiores inimigos: os Hollow Walkers. Estes seres apareceram com o evento denominado por Calamidade.
Estas entidades serão o nosso maior inimigo que teremos de combater ao longo do jogo. Existem várias versões de Hollow Walkers sendo que algumas delas contêm uma de quatro emoções possíveis: luto, raiva, êxtase e terror que estão ligados ao Hollow Walker por uma espécie de cordão umbilical e que nos atacam com estratégias diferentes que variam consoante o tipo de emoção.

Apesar de ainda existirem bastantes variações de Hollow Walkers, a verdade é que não existe uma diferenciação assim tão acentuada, levando a que o combate comece a ter alguns tons de repetibilidade rapidamente. Sim, devemos adoptar diferentes estratégias, principalmente quando o Hollow Walker tem uma emoção associada, mas ainda assim acaba por ser curto devido à pouca variedade de inimigos e pelo facto das mecânicas são relativamente simplistas.
O combate assemelha-se em muito a um soulslike, mas sem a dificuldade do mesmo. Hell is Us é bastante perdulário e simpático para com os jogadores, gravando o progresso automaticamente, ou seja, se durante o combate com três Hollow Walkers conseguirmos eliminar dois, apenas sucumbindo ao inimigo final, quando lá voltamos apenas temos de enfrentar o Hollow Walker que não eliminamos. De certa forma isso permite que se vá eliminando os nossos inimigos aos poucos sem grande sofrimento.
Além disso, Hell is Us oferece-nos três níveis de dificuldade logo à cabeça, distanciando-se dos tradicionais soulslike que apenas presenteiam a dificuldade máxima ao jogador.

A nossa arma de combate começa por ser uma espada especial, capaz de matar os Hollow Walkers, ao contrário de outras armas tradicionais. No decorrer do jogo podemos apanhar outras armas que variam a jogabilidade e que vão desde machados (mais rápidos, mas que fazem menos dano) até espadas longas (mais lentas, mas com maior dano). Cada uma destas armas tem um (ou mais) poderes especiais, relacionado com as quatro emoções presentes neste universo.
Além disso, Hell is Us têm componentes RPG e cada arma tem um nível que vai evoluindo conforme lhe damos uso.
Quando estamos a lutar temos de considerar a nossa stamina. Temos que conseguir gerir os nossos ataques e defesas com a energia que temos disponível. Para ajudar temos um pequeno drone que acompanha-nos durante toda a aventura e que têm também um papel interveniente durante os combates com alguns poderes especiais.
Existe também uma mecânica para recuperar a vida que é bastante interessante. Quando conseguimos atacar os White Walkers com sucesso, a nossa barra de vida sobre provisoriamente. Temos de carregar no R1 no timing certo para efetivar essa subida na nossa barra de vida.
Perdido, mas não durante muito tempo
Hell is Us deixa-nos à deriva, e tínhamos algum receio que a ausência de ajudas do jogo levasse a um cansaço e frustração rápidos. Felizmente isso nunca aconteceu, porque Hell is Us está extremamente bem balanceado.

Com maior ou menor dificuldade, é bastante percetível onde temos de ir a seguir e o que temos de procurar para desbloquear determinado puzzle. Hell is Us, apesar de nunca nos orientar diretamente, fá-lo por bastantes pistas e diálogos que nos orientam na direção ou objetivo a tomar. O mapa está subdividido em várias áreas, acedidas à vez. Hell is Us não nos oferece um mapa gigante para explorar, mas sim várias zonas separadas que permitem uma exploração mais focada e que permite uma maior facilidade ao jogador explorar e encontrar o seu objetivo.
Outro dos grandes destaques do jogo é a existência das masmorras (dungeons). Vamos passar várias horas nestas masmorras em busca de segredos que permitem explicar o que se passou em Hadea. Cada masmorra é um desafio que conta com muitas componentes. Temos de ter um bom sentido de orientação (pois não existe qualquer mapa) para não nos perdermos, estar atento às pistas que vamos encontrando para saber o que e onde procurar e prepararmo-nos para encontrar muitos Hollow Walkers durante o caminho.
Não vamos negar que houve alturas onde ficámos meio-perdidos nas masmorras e revisitamos várias vezes as mesmas salas, mas a sensação de quando conseguimos encontrar a peça do puzzle em falta é extremamente gratificante.
Bom samaritano
Enquanto exploramos Hadea iremos encontrar vários personagens que, direta ou indiretamente, irão pedir a nossa ajuda. Este tipo de missões secundárias são boas acções que o jogador pode efetuar, ajudando um sobrevivente ou levando algum objecto a determinado sítio.
Se é relativamente fácil orientarmo-nos no objectivo principal do jogo, o mesmo não se pode dizer sobre estas missões secundárias. É preciso ter extremamente atenção ao que nos dizem e à sua localização.
Além disso, no universo de Hell is Us existem também os Time Loops. Uma espécie de falha temporal que permite a entrada dos White Walkers no nosso universo. Estes Time Loops estão protegidos com um ou mais guardiões, existindo vários espalhados nas diferentes localizações.
Para fecharmos estes Time Loops e evitar que os inimigos voltem a aparecer quando regressamos aquela localização temos de primeiro eliminar os guardiões e depois fechar a falha temporal.

Visualmente Hell is Us é bastante competente, oferecendo paisagens e cenários extremamente bem construídos e com muita atenção ao pormenor. No que diz respeito à fluidez do jogo, optámos pelo modo Performance em detrimento do modo Quality e a experiência foi bastante positiva, com apenas algumas frame drops a acontecerem em duas ou três situações.
Outro destaque é a banda sonora e o som envolvente que amplifica a tensão de certos ambientes. Além disso, a componente sonora acaba também por servir como complemento à narrativa, transmitindo várias pistas aos jogadores.
Hell is Us é um título que arrisca ao quebrar convenções e ao recusar dar a mão ao jogador em cada passo. Essa aposta paga dividendos na imersão, obrigando-nos a estar atentos ao que nos rodeia, a ouvir os diálogos com cuidado e a explorar cada recanto de Hadea com genuína curiosidade. A atmosfera devastada pela guerra civil, somada à presença dos Hollow Walkers, cria um mundo pesado e perturbador, mas que nunca deixa de ser intrigante.
O combate, ainda que inspirado nos soulslike, acaba por ser mais acessível e permissivo, o que pode agradar a alguns e desiludir outros. A variedade de inimigos não é tão ampla quanto seria desejável, mas a gestão de stamina, armas e poderes especiais dá alguma profundidade à jogabilidade.
No fim de contas, Hell is Us não é perfeito. Tem limitações claras, sobretudo no combate, mas compensa com uma abordagem ousada à exploração e à forma como coloca o jogador dentro da narrativa. Não é um jogo para todos — e ainda bem. É precisamente essa diferença que lhe dá personalidade e o torna uma experiência única num género tantas vezes preso a fórmulas seguras.





